Warning: Undefined array key 0 in /var/www/vhosts/4x4dev.com.br/httpdocs/thmais/wp-content/themes/Newspaper-child/functions.php on line 690

Warning: Undefined array key 0 in /var/www/vhosts/4x4dev.com.br/httpdocs/thmais/wp-content/themes/Newspaper-child/functions.php on line 690
Botão TV AO VIVO TV AO VIVO Ícone TV
RÁDIO AO VIVO Ícone Rádio
spot_img

compartilhar:

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O PIB (Produto Interno Bruto) de 2023 está sendo puxado pelos gastos do governo, e isso leva o setor privado a se retrair. A médio prazo, haverá queda na atividade ao mesmo tempo que o país precisará conviver com juros altos, pressionados pelas despesas estatais.

A opinião é do economista e ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore, 84. “Na medida que a política fiscal ficou expansionista e o juro real de equilíbrio, chamado juro neutro, cresceu, não dá para ser otimista com relação ao investimento privado. Ele tem que encolher”, afirma.

“Hoje, o motor de crescimento do PIB é público, não privado. Tirando o agro, quem está fazendo o crescimento é o governo.”

Pastore acredita que o conflito entre o governo Lula e o BC em torno da queda dos juros ressurgirá à medida que a atividade desacelerar.

“Esse crescimento que está aí não se sustenta. No momento que ele não se sustentar, esse conflito fiscal e monetário —que foi muito agudo antes de o BC, naquela decisão dividida, ter baixado 0,5 ponto percentual na Selic— vai emergir de novo, com mais força”, diz.

Sobre o aumento de arrecadação almejado pelo governo, afirma: “Ele está com excesso de otimismo que só ele, e ninguém mais, tem”.

*

*Folha-* O PIB do segundo trimestre avançou 0,9%, elevando a expectativa de crescimento de 2023 a 3%. O agro foi bem no primeiro trimestre e não desacelerou tanto no segundo. O que houve foi forte impulso fiscal, com as despesas não financeiras da União, entre janeiro e julho, crescendo quase 9% acima da inflação. Qual a avaliação que o sr. faz da qualidade desse crescimento? 


*Affonso Celso Pastore -* Quando olhamos para a contribuição do governo no crescimento do PIB, começamos a ter a resposta para isso. É uma política fiscal estimulativa. O arcabouço fiscal foi feito para sancionar aumento de gastos. A política fiscal vem sendo expansionista há algum tempo.

Quando a política fiscal é expansionista, a taxa de juros neutra, a taxa que equilibra demanda com oferta com PIB potencial [sem gerar desequilíbrios], cresce. Consequentemente, o grau de restrição da política monetária, que é avaliado pela distância entre a taxa de juros de mercado real e a taxa neutra, se estreita. E o efeito restritivo da política monetária é menor.

Existe hoje uma política macroeconômica que é promotora de um crescimento mais forte de demanda agregada. Quando você olha pelo lado do consumo do governo, você vê isso. E, se o mercado tivesse prestado mais atenção ao emprego, a tal surpresa do crescimento, entre aspas, teria sido menor.

A população ocupada vem crescendo sistematicamente. Ela não desacelerou em nenhum momento. A massa real de salários vem crescendo, o que vem sustentando o crescimento do consumo privado. Então, o crescimento do PIB, quando olhado um pouco mais profundamente, no conjunto de dados, não surpreende tanto.

Existe aqui um conflito entre política fiscal e política monetária. A política monetária para trazer a inflação para baixo está colocada no modo restritivo. A política fiscal está colocada no modo expansionista. Vamos ver como é que isso caminha daqui para a frente.

*Folha -* Tivemos forte impulso fiscal no segundo semestre de 2022, com medidas eleitoreiras de Jair Bolsonaro. Antes da posse, o governo Lula conseguiu mais R$ 150 bilhões do Congresso. O Bolsa Família passou de R$ 40 bilhões ao ano para R$ 167 bilhões, aumentando o consumo das famílias. Houve reajuste para o funcionalismo e aumento real do salário mínimo. Mas, se olharmos para a Formação Bruta de Capital Fixo [investimento] no primeiro semestre, houve queda de 0,9% [ante mesmo período em 2022]. Como proporção do PIB, está em meros 17,2%. O crescimento se sustenta assim?

*Affonso Celso Pastore -* Claro que não. Existe um fenômeno que se chama “crowding out” do investimento privado. O que é isso? O governo aumenta o gasto, a taxa de juros real tem que subir, porque a taxa neutra sobe. A parte mais sensível da demanda agregada ao juro real é o investimento.

Então, o aumento do gasto público se transforma em queda da taxa de investimento privado.

Na medida em que a política fiscal ficou expansionista e o juro real de equilíbrio, chamado juro neutro, cresceu, não dá para ser otimista com relação ao investimento privado. Ele tem que encolher.

Hoje o motor de crescimento do PIB é público, não privado. Tirando o agro, quem está fazendo o crescimento é o governo.

Eu acho que vai desacelerar. Por duas razões. Primeiro, a economia internacional desacelera. Olha a China, que tem um grau de endividamento produzido por um superinvestimento no mercado imobiliário.

Nos EUA, na melhor das hipóteses, se não tiver mais uma elevação dos juros, a taxa atual vai ficar lá em cima por um período mais extenso do que era natural em ciclos prévios de aperto monetário. Numa escala um pouquinho menor, porque a política fiscal foi menos expansionista na pandemia, esse é o quadro na Europa. Ao olharmos para isso, temos aqui um quadro externo que diz que desacelera.

Segundo, apesar de a política fiscal ser expansionista, a monetária é restritiva. E a taxa terminal de juros, quer dizer, se comparar este ciclo de queda de juros, que foi começado pelo [Roberto] Campos Neto [presidente do BC], com aquele do Ilan Goldfajn [ex-presidente do BC] lá em 2016, em ambos os casos eles começaram com a Selic perto de 14%.

E a taxa real [acima da inflação] “ex-ante” de um ano estava em 8% em ambos. O Ilan trouxe a taxa terminal, quando ele terminou o ciclo lá em 2018, para 6,5%. Bom, a Selic não irá para 6,5% nesse quadro pela simples e boa razão de que lá atrás tinha um arcabouço fiscal que congelou os gastos primários em termos reais, e por causa disso tinha levado a uma taxa neutra de juros significativamente abaixo da taxa neutra atual. A taxa neutra atual é mais alta, o Banco Central não vai conseguir trazer isso.

*Folha -* O Campos Neto está falando em taxa neutra de 4,5%.

*Affonso Celso Pastore -* Como a taxa neutra não é uma variável observável, ela gera dúvidas. E o Campos Neto não pode ser muito explícito sobre a neutra porque ele teria que fazer uma crítica direta à política fiscal que sobe a neutra, e provavelmente ele não está querendo fazer isso.

O mercado inteiro tem uma neutra mais alta. Se ela é de 5% ou de 5,5%, é uma outra história, mas seguramente não é a de 4,5% do Campos Neto. Me desculpe o Campos Neto. A neutra é mais alta, e a política monetária não conseguirá gerar estímulos para a recuperação. Pelo contrário, ela é restritiva.

A economia vai desacelerar em 2024. Não estou dizendo que vai acabar o Brasil, nem que vai ter uma recessão, nada disso. Vamos ver todas as consultorias reavaliando o crescimento do PIB de 2023, que vai chegar perto dos 3%. O do ano que vem, não sei se ele vai ser de 1% ou 1,5%, mas será menor do que o crescimento atual.

Esse crescimento que está aí não se sustenta. No momento em que ele não se sustentar, esse conflito fiscal e monetário, que foi muito agudo antes de o Banco Central, naquela decisão dividida, ter baixado a Selic em 0,5 ponto percentual, esse conflito entre a política fiscal e a monetária vai emergir de novo com mais força.

O governo vai começar de novo a reclamar do Banco Central, e nós vamos ver como é que isso evolui. Mas a razão para isso é que o crescimento desacelera. A esperança do [Fernando] Haddad [ministro da Fazenda] de conseguir os recursos para poder cumprir a meta de resultado primário é que a arrecadação cresça.

Se olharmos onde estão as projeções de consenso hoje do Focus sobre o resultado primário em 2024, 2025 e 2026, há déficit nos três anos. A solução para isso é aumentar a receita. E, para aumentar a receita, precisa ter mais crescimento econômico.

Aí você vai ver o conflito fiscal e monetário voltar a aparecer. Isso é um pouco mais para a frente, no ano que vem.

*Folha -* Isso tudo está conectado com a questão do arcabouço fiscal, porque, se tivermos aumento de receita, que é o que o governo quer, haveria redução da dívida pública como proporção do PIB. Mas isso não está garantido. O governo precisa de R$ 160 bilhões a mais.

*Affonso Celso Pastore -* Se o governo fizesse superávits primários, se ele chegasse a cumprir a meta de resultado primário, você teria um resultado melhor do que o que estamos vendo. O resultado que eu estou vendo, pelo que ele revelou nas suas projeções de receita, é que ele está com excesso de otimismo que só ele, e ninguém mais, tem.

Quando você tinha o arcabouço que congelava o gasto primário em termos reais, e é verdade que era rígido ao extremo, a curva de juros em termos reais das NTN-Bs [título público atrelado à inflação] mostrava taxa de transações de um ano de 1% e de dez anos em 3% [acima da inflação].

Agora essas taxas estão acima de 5% [além da inflação], com o ramo mais longo mais para perto do 5,5%. Quer dizer, isso é prêmio de risco em cima de crescimento da dívida pública.

Eu não estou perguntando para o mercado o que ele diz publicamente, o que ele acha que vai acontecer. Normalmente o mercado financeiro é cauteloso nesse tipo de comentário público. Afinal, eles têm instituições financeiras e não querem expor isso a debates, a controvérsias.

Agora, eu não estou perguntando onde ele está pondo a boca, eu estou perguntando onde ele está pondo a grana. Onde ele está pondo a grana é um prêmio de risco mais alto.

E esse prêmio de risco é o limite no qual a taxa real de juros vai poder ceder. E, se ela não puder ceder, o arcabouço, na verdade, fará um “crowding out” de investimento privado. Quer dizer, tudo aponta para o investimento privado sair do jogo. Não acaba o investimento privado, mas ele reduz.

*Folha -* Há uma discussão sobre o governo deve assumir que não cumprirá a meta de zerar o déficit no ano que vem. Ou insistir na meta para evitar mais gastos. Como o sr. vê esse ponto?


*Affonso Celso Pastore -* Não quero entrar nessa discussão. Mas digo o seguinte: eu olhei para os dados, olhei para os projetos de aumento de receita e olhei para o compromisso de aumento de gastos. E vejo que não dá para fazer as duas coisas. Como eles vão se safar desse problema? A questão é deles, mas eu não vejo como eles vão fazer isso.

RAIO-X

AFFONSO CELSO PASTORE, 84

Doutor em economia pela Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da USP, foi presidente do Banco Central no governo João Figueiredo (1979-1985) e professor na Fundação Getulio Vargas. É sócio-fundador do Centro de Debate de Políticas Públicas e da AC Pastore & Associados.

FERNANDO CANZIAN / Folhapress

Esse crescimento que está aí não se sustenta, diz Pastore

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O PIB (Produto Interno Bruto) de 2023 está sendo puxado pelos gastos do governo, e isso leva o setor privado a se retrair. A médio prazo, haverá queda na atividade ao mesmo tempo que o país precisará conviver com juros altos, pressionados pelas despesas estatais.

A opinião é do economista e ex-presidente do Banco Central Affonso Celso Pastore, 84. “Na medida que a política fiscal ficou expansionista e o juro real de equilíbrio, chamado juro neutro, cresceu, não dá para ser otimista com relação ao investimento privado. Ele tem que encolher”, afirma.

- Advertisement -anuncio

“Hoje, o motor de crescimento do PIB é público, não privado. Tirando o agro, quem está fazendo o crescimento é o governo.”

Pastore acredita que o conflito entre o governo Lula e o BC em torno da queda dos juros ressurgirá à medida que a atividade desacelerar.

“Esse crescimento que está aí não se sustenta. No momento que ele não se sustentar, esse conflito fiscal e monetário —que foi muito agudo antes de o BC, naquela decisão dividida, ter baixado 0,5 ponto percentual na Selic— vai emergir de novo, com mais força”, diz.

Sobre o aumento de arrecadação almejado pelo governo, afirma: “Ele está com excesso de otimismo que só ele, e ninguém mais, tem”.

*

*Folha-* O PIB do segundo trimestre avançou 0,9%, elevando a expectativa de crescimento de 2023 a 3%. O agro foi bem no primeiro trimestre e não desacelerou tanto no segundo. O que houve foi forte impulso fiscal, com as despesas não financeiras da União, entre janeiro e julho, crescendo quase 9% acima da inflação. Qual a avaliação que o sr. faz da qualidade desse crescimento? 


*Affonso Celso Pastore -* Quando olhamos para a contribuição do governo no crescimento do PIB, começamos a ter a resposta para isso. É uma política fiscal estimulativa. O arcabouço fiscal foi feito para sancionar aumento de gastos. A política fiscal vem sendo expansionista há algum tempo.

Quando a política fiscal é expansionista, a taxa de juros neutra, a taxa que equilibra demanda com oferta com PIB potencial [sem gerar desequilíbrios], cresce. Consequentemente, o grau de restrição da política monetária, que é avaliado pela distância entre a taxa de juros de mercado real e a taxa neutra, se estreita. E o efeito restritivo da política monetária é menor.

Existe hoje uma política macroeconômica que é promotora de um crescimento mais forte de demanda agregada. Quando você olha pelo lado do consumo do governo, você vê isso. E, se o mercado tivesse prestado mais atenção ao emprego, a tal surpresa do crescimento, entre aspas, teria sido menor.

A população ocupada vem crescendo sistematicamente. Ela não desacelerou em nenhum momento. A massa real de salários vem crescendo, o que vem sustentando o crescimento do consumo privado. Então, o crescimento do PIB, quando olhado um pouco mais profundamente, no conjunto de dados, não surpreende tanto.

Existe aqui um conflito entre política fiscal e política monetária. A política monetária para trazer a inflação para baixo está colocada no modo restritivo. A política fiscal está colocada no modo expansionista. Vamos ver como é que isso caminha daqui para a frente.

*Folha -* Tivemos forte impulso fiscal no segundo semestre de 2022, com medidas eleitoreiras de Jair Bolsonaro. Antes da posse, o governo Lula conseguiu mais R$ 150 bilhões do Congresso. O Bolsa Família passou de R$ 40 bilhões ao ano para R$ 167 bilhões, aumentando o consumo das famílias. Houve reajuste para o funcionalismo e aumento real do salário mínimo. Mas, se olharmos para a Formação Bruta de Capital Fixo [investimento] no primeiro semestre, houve queda de 0,9% [ante mesmo período em 2022]. Como proporção do PIB, está em meros 17,2%. O crescimento se sustenta assim?

*Affonso Celso Pastore -* Claro que não. Existe um fenômeno que se chama “crowding out” do investimento privado. O que é isso? O governo aumenta o gasto, a taxa de juros real tem que subir, porque a taxa neutra sobe. A parte mais sensível da demanda agregada ao juro real é o investimento.

Então, o aumento do gasto público se transforma em queda da taxa de investimento privado.

Na medida em que a política fiscal ficou expansionista e o juro real de equilíbrio, chamado juro neutro, cresceu, não dá para ser otimista com relação ao investimento privado. Ele tem que encolher.

Hoje o motor de crescimento do PIB é público, não privado. Tirando o agro, quem está fazendo o crescimento é o governo.

Eu acho que vai desacelerar. Por duas razões. Primeiro, a economia internacional desacelera. Olha a China, que tem um grau de endividamento produzido por um superinvestimento no mercado imobiliário.

Nos EUA, na melhor das hipóteses, se não tiver mais uma elevação dos juros, a taxa atual vai ficar lá em cima por um período mais extenso do que era natural em ciclos prévios de aperto monetário. Numa escala um pouquinho menor, porque a política fiscal foi menos expansionista na pandemia, esse é o quadro na Europa. Ao olharmos para isso, temos aqui um quadro externo que diz que desacelera.

Segundo, apesar de a política fiscal ser expansionista, a monetária é restritiva. E a taxa terminal de juros, quer dizer, se comparar este ciclo de queda de juros, que foi começado pelo [Roberto] Campos Neto [presidente do BC], com aquele do Ilan Goldfajn [ex-presidente do BC] lá em 2016, em ambos os casos eles começaram com a Selic perto de 14%.

E a taxa real [acima da inflação] “ex-ante” de um ano estava em 8% em ambos. O Ilan trouxe a taxa terminal, quando ele terminou o ciclo lá em 2018, para 6,5%. Bom, a Selic não irá para 6,5% nesse quadro pela simples e boa razão de que lá atrás tinha um arcabouço fiscal que congelou os gastos primários em termos reais, e por causa disso tinha levado a uma taxa neutra de juros significativamente abaixo da taxa neutra atual. A taxa neutra atual é mais alta, o Banco Central não vai conseguir trazer isso.

*Folha -* O Campos Neto está falando em taxa neutra de 4,5%.

*Affonso Celso Pastore -* Como a taxa neutra não é uma variável observável, ela gera dúvidas. E o Campos Neto não pode ser muito explícito sobre a neutra porque ele teria que fazer uma crítica direta à política fiscal que sobe a neutra, e provavelmente ele não está querendo fazer isso.

O mercado inteiro tem uma neutra mais alta. Se ela é de 5% ou de 5,5%, é uma outra história, mas seguramente não é a de 4,5% do Campos Neto. Me desculpe o Campos Neto. A neutra é mais alta, e a política monetária não conseguirá gerar estímulos para a recuperação. Pelo contrário, ela é restritiva.

A economia vai desacelerar em 2024. Não estou dizendo que vai acabar o Brasil, nem que vai ter uma recessão, nada disso. Vamos ver todas as consultorias reavaliando o crescimento do PIB de 2023, que vai chegar perto dos 3%. O do ano que vem, não sei se ele vai ser de 1% ou 1,5%, mas será menor do que o crescimento atual.

Esse crescimento que está aí não se sustenta. No momento em que ele não se sustentar, esse conflito fiscal e monetário, que foi muito agudo antes de o Banco Central, naquela decisão dividida, ter baixado a Selic em 0,5 ponto percentual, esse conflito entre a política fiscal e a monetária vai emergir de novo com mais força.

O governo vai começar de novo a reclamar do Banco Central, e nós vamos ver como é que isso evolui. Mas a razão para isso é que o crescimento desacelera. A esperança do [Fernando] Haddad [ministro da Fazenda] de conseguir os recursos para poder cumprir a meta de resultado primário é que a arrecadação cresça.

Se olharmos onde estão as projeções de consenso hoje do Focus sobre o resultado primário em 2024, 2025 e 2026, há déficit nos três anos. A solução para isso é aumentar a receita. E, para aumentar a receita, precisa ter mais crescimento econômico.

Aí você vai ver o conflito fiscal e monetário voltar a aparecer. Isso é um pouco mais para a frente, no ano que vem.

*Folha -* Isso tudo está conectado com a questão do arcabouço fiscal, porque, se tivermos aumento de receita, que é o que o governo quer, haveria redução da dívida pública como proporção do PIB. Mas isso não está garantido. O governo precisa de R$ 160 bilhões a mais.

*Affonso Celso Pastore -* Se o governo fizesse superávits primários, se ele chegasse a cumprir a meta de resultado primário, você teria um resultado melhor do que o que estamos vendo. O resultado que eu estou vendo, pelo que ele revelou nas suas projeções de receita, é que ele está com excesso de otimismo que só ele, e ninguém mais, tem.

Quando você tinha o arcabouço que congelava o gasto primário em termos reais, e é verdade que era rígido ao extremo, a curva de juros em termos reais das NTN-Bs [título público atrelado à inflação] mostrava taxa de transações de um ano de 1% e de dez anos em 3% [acima da inflação].

Agora essas taxas estão acima de 5% [além da inflação], com o ramo mais longo mais para perto do 5,5%. Quer dizer, isso é prêmio de risco em cima de crescimento da dívida pública.

Eu não estou perguntando para o mercado o que ele diz publicamente, o que ele acha que vai acontecer. Normalmente o mercado financeiro é cauteloso nesse tipo de comentário público. Afinal, eles têm instituições financeiras e não querem expor isso a debates, a controvérsias.

Agora, eu não estou perguntando onde ele está pondo a boca, eu estou perguntando onde ele está pondo a grana. Onde ele está pondo a grana é um prêmio de risco mais alto.

E esse prêmio de risco é o limite no qual a taxa real de juros vai poder ceder. E, se ela não puder ceder, o arcabouço, na verdade, fará um “crowding out” de investimento privado. Quer dizer, tudo aponta para o investimento privado sair do jogo. Não acaba o investimento privado, mas ele reduz.

*Folha -* Há uma discussão sobre o governo deve assumir que não cumprirá a meta de zerar o déficit no ano que vem. Ou insistir na meta para evitar mais gastos. Como o sr. vê esse ponto?


*Affonso Celso Pastore -* Não quero entrar nessa discussão. Mas digo o seguinte: eu olhei para os dados, olhei para os projetos de aumento de receita e olhei para o compromisso de aumento de gastos. E vejo que não dá para fazer as duas coisas. Como eles vão se safar desse problema? A questão é deles, mas eu não vejo como eles vão fazer isso.

RAIO-X

AFFONSO CELSO PASTORE, 84

Doutor em economia pela Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da USP, foi presidente do Banco Central no governo João Figueiredo (1979-1985) e professor na Fundação Getulio Vargas. É sócio-fundador do Centro de Debate de Políticas Públicas e da AC Pastore & Associados.

FERNANDO CANZIAN / Folhapress

COMPARTILHAR:

spot_img
spot_img

Participe do grupo e receba as principais notícias de Campinas e região na palma da sua mão.

Ao entrar você está ciente e de acordo com os termos de uso e privacidade do WhatsApp.

NOTICIAS RELACIONADAS

Thmais
Privacy Overview

This website uses cookies so that we can provide you with the best user experience possible. Cookie information is stored in your browser and performs functions such as recognising you when you return to our website and helping our team to understand which sections of the website you find most interesting and useful.