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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Pode-se gostar ou não dos filmes de Walter Hugo Khouri. Mas é indiscutível que desde 1954, quando estreou com “O Gigante de Pedra”, até 1999, quando “Paixão Perdida” fechou sua obra, ele fez os filmes que quis e como quis.

Khouri tinha domínio da técnica para chegar exatamente àquilo que planejara e o talento para, desde o primeiro filme, buscar enquadramentos expressivos. E ainda, claro, persistência para transformar sua visão do mundo em imagens.

Dominou a técnica a ponto de, num mesmo filme, fazer a direção, o roteiro e a câmera. Teve talento e persistência para chegar exatamente aos resultados que queria. Participava intensamente da montagem, para que a forma final correspondesse a suas ideias.

Tudo isso que se poderá comprovar ao longo da retrospectiva na Cinemateca Brasileira que reúne 15 de seus trabalhos. É uma obra o que se constituiu ali, na acepção de autor cultivada pelos anos 1950: alguém que tem uma concepção de mundo, um conjunto de ideias que persiste ao longo dos anos, um estilo próprio e detectável.

Ao mesmo tempo, será uma bela ocasião para revisitar polêmicas, encontros e desencontros do passado. Walter Khouri foi o principal representante da corrente que via o cinema como uma expressão universal. A ela opunha a ideia que se afirma no começo dos anos 1960, com a vocação de mostrar o Brasil e o homem brasileiro: o cinema novo.

A maior parte da crítica pendeu para o cinema novo e, num tempo de paixões políticas exacerbadas, Khouri passou a tomar pancadas. Se o sucesso crítico, no Brasil e na Europa, favorecia Glauber e seus colegas, a preferência do espectador brasileiro era pelo apelo existencial do cinema khouriano.

Podia-se dizer que ele imitava Bergman, ou Antonioni, ou mesmo Joseph Losey. Eram referências suas, e um dos primeiros artigos publicados sobre Bergman no Brasil foi, justamente escrito por Walter H. Khouri, sobre “Noites de Circo”, de 1952. Ataques à parte, ninguém podia dizer que o homem brasileiro não se interessasse por esse cinema.

É inegável o sucesso de, por exemplo, “Noite Vazia” de 1964, em que dois amigos —um rico e outro de classe média— buscam se satisfazer na companhia de duas prostitutas de luxo, mas acabam frustrados e vazios (como as moças, aliás).

É verdade que “Noite Vazia” recebeu um bom empurrão da censura, que o reteve por um bom tempo. Mas seus filmes, no geral, satisfaziam certo ideal de filme brasileiro “bem feito”, e essa é uma das razões de seus fracassos serem, a rigor, raros.

Desde, pelo menos, “Estranho Encontro”, de 1958, em que desenvolvia uma forma de terror de sugestão (inspirado pela série produzida por Val Lewton para a RKO), Khouri era um nome de destaque no cinema brasileiro. O jovem Glauber Rocha, ao concluir seu curta-metragem “O Pátio”, de 1959, levou-o para ser criticado por Khouri, a quem considerava o melhor diretor brasileiro. E gostou dos comentários animadores que ouviu. Talvez por isso os escritos de Glauber nunca tenham sido hostis a Khouri, apesar das diferenças óbvias de seus projetos.

Khouri realizava, à sua maneira, o projeto de cinema de qualidade que a Vera Cruz falhara em levar adiante. Vinham de lá seus atores-fetiche, como Mário Benvenutti e Luigi Picchi, e seu montador de quase sempre, Mauro Alice. O fotógrafo Rudolf Icsey, que trabalhava para a Cia. Maristela desde meados da década de 50, tornou-se, desde “Estranho Encontro”, seu diretor de fotografia por cerca de 20 anos.

Khouri costumava notar que teve sorte no quesito fotografia. Pensara, primeiro, em chamar o inglês Chick Fowle, operador principal da Vera Cruz. Mas ele estava ocupado, e a escolha recaiu sobre Icsey. Khouri dizia de Fowle que ele tinha “uma luz encarvoada”, ao contrário da limpidez da luz de Icsey. A observação está muito longe de ser tola.

Quanto à música, desde o começo dos 1960, foi entregue a seu primo, Rogério Duprat. Khouri levava ao estúdio do músico um projetor portátil, de modo a que a música gravada correspondesse exatamente à imagem para a qual fora concebida.

Duprat era um tropicalista e não levava Khouri tão a sério assim: “O problema do meu primo é que é um artista”, dizia. Sim, eram primos. Khouri se levava a sério, até demais. Não abria mão de escrever seus roteiros, nem de cultivar o personagem Marcelo, seu alterego, mulherengo inveterado e, por isso mesmo, perpetuamente angustiado.

A busca do prazer esbarrando na frustração pode ter sido o seu assunto mais constante. A direção de atrizes, seu mérito mais constante. O cuidado com os detalhes, uma obsessão. A fidelidade a si próprio, mais do que a coerência da obra, no entanto, foi por vezes uma prisão. Recusando-se a trabalhar com corroteiristas que poderiam ter oxigenado sua obra, em certos momentos seu trabalho deu a impressão de certo maneirismo de si mesmo: era como se fizesse filmes “à maneira de Khouri”.

A retrospectiva da Cinemateca pode ser dividida em alguns grupos. As obras-primas indiscutíveis são “Estranho Encontro” e “Noite Vazia”. As raridades indispensáveis são “Gigante de Pedra” (do qual foram encontrados e recuperados 50 minutos) e “Na Garganta do Diabo”, de 1960, e “A Ilha”, de 1962, os três são filmes raramente exibidos e serão vistos em cópias digitais feitas pela própria Cinemateca.

Filmes de grande empenho pessoal: “Corpo Ardente”, de 1966, “As Filhas do Fogo”, de 1979, “As Deusas”, de 1972. Filmes em princípio reiterativos (de ideias, de personagens etc.): “As Feras”, de 1994, “O Desejo”, de 1976, “Eros”, de 1981, “Paixão Perdida”, “Paixão e Sombras”, de 1977, “Palácio dos Anjos”, de 1970.

A isso se poderia acrescentar duas categorias: os filmes detestados pela esquerda, em particular “As Amorosas”, de 1967, feito bem na época do movimento estudantil, mas em que a política sucumbia às angústias pessoais. No entanto, ali há uma das melhores interpretações de Anecy Rocha. Paulo José também está ótimo, e há ainda a atraente Jacqueline Myrna, que um dia foi lançada como uma espécie de Brigitte Bardot brasileira —mas não emplacou.

Uma última série poderia abarcar a dos filmes ausentes desta retrospectiva: “Eu”, de 1987, é talvez o último dos filmes de primeira linha de Khouri, em que o seu Marcelo está por uma vez às voltas com a angústia da morte, e “O Anjo da Noite”, de 1974, outra bela incursão no terror de sugestão, e talvez a única vez que o cineasta trabalhou com um ator negro em papel central —Eliezer Gomes está, por sinal, ótimo. Não emplacou na época e hoje pode até ser acusado de racismo, já que o negro do filme é o vilão.

A Cinemateca oferece, com essa mostra, a possibilidade perfeita de rever e reavaliar a obra de Walter Hugo Khouri, antítese talentosa e não raro interessante do cinema novo.

INÁCIO ARAUJO / Folhapress

Obra de Walter Hugo Khouri se mostra existencial e oposta ao cinema novo

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Pode-se gostar ou não dos filmes de Walter Hugo Khouri. Mas é indiscutível que desde 1954, quando estreou com “O Gigante de Pedra”, até 1999, quando “Paixão Perdida” fechou sua obra, ele fez os filmes que quis e como quis.

Khouri tinha domínio da técnica para chegar exatamente àquilo que planejara e o talento para, desde o primeiro filme, buscar enquadramentos expressivos. E ainda, claro, persistência para transformar sua visão do mundo em imagens.

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Dominou a técnica a ponto de, num mesmo filme, fazer a direção, o roteiro e a câmera. Teve talento e persistência para chegar exatamente aos resultados que queria. Participava intensamente da montagem, para que a forma final correspondesse a suas ideias.

Tudo isso que se poderá comprovar ao longo da retrospectiva na Cinemateca Brasileira que reúne 15 de seus trabalhos. É uma obra o que se constituiu ali, na acepção de autor cultivada pelos anos 1950: alguém que tem uma concepção de mundo, um conjunto de ideias que persiste ao longo dos anos, um estilo próprio e detectável.

Ao mesmo tempo, será uma bela ocasião para revisitar polêmicas, encontros e desencontros do passado. Walter Khouri foi o principal representante da corrente que via o cinema como uma expressão universal. A ela opunha a ideia que se afirma no começo dos anos 1960, com a vocação de mostrar o Brasil e o homem brasileiro: o cinema novo.

A maior parte da crítica pendeu para o cinema novo e, num tempo de paixões políticas exacerbadas, Khouri passou a tomar pancadas. Se o sucesso crítico, no Brasil e na Europa, favorecia Glauber e seus colegas, a preferência do espectador brasileiro era pelo apelo existencial do cinema khouriano.

Podia-se dizer que ele imitava Bergman, ou Antonioni, ou mesmo Joseph Losey. Eram referências suas, e um dos primeiros artigos publicados sobre Bergman no Brasil foi, justamente escrito por Walter H. Khouri, sobre “Noites de Circo”, de 1952. Ataques à parte, ninguém podia dizer que o homem brasileiro não se interessasse por esse cinema.

É inegável o sucesso de, por exemplo, “Noite Vazia” de 1964, em que dois amigos —um rico e outro de classe média— buscam se satisfazer na companhia de duas prostitutas de luxo, mas acabam frustrados e vazios (como as moças, aliás).

É verdade que “Noite Vazia” recebeu um bom empurrão da censura, que o reteve por um bom tempo. Mas seus filmes, no geral, satisfaziam certo ideal de filme brasileiro “bem feito”, e essa é uma das razões de seus fracassos serem, a rigor, raros.

Desde, pelo menos, “Estranho Encontro”, de 1958, em que desenvolvia uma forma de terror de sugestão (inspirado pela série produzida por Val Lewton para a RKO), Khouri era um nome de destaque no cinema brasileiro. O jovem Glauber Rocha, ao concluir seu curta-metragem “O Pátio”, de 1959, levou-o para ser criticado por Khouri, a quem considerava o melhor diretor brasileiro. E gostou dos comentários animadores que ouviu. Talvez por isso os escritos de Glauber nunca tenham sido hostis a Khouri, apesar das diferenças óbvias de seus projetos.

Khouri realizava, à sua maneira, o projeto de cinema de qualidade que a Vera Cruz falhara em levar adiante. Vinham de lá seus atores-fetiche, como Mário Benvenutti e Luigi Picchi, e seu montador de quase sempre, Mauro Alice. O fotógrafo Rudolf Icsey, que trabalhava para a Cia. Maristela desde meados da década de 50, tornou-se, desde “Estranho Encontro”, seu diretor de fotografia por cerca de 20 anos.

Khouri costumava notar que teve sorte no quesito fotografia. Pensara, primeiro, em chamar o inglês Chick Fowle, operador principal da Vera Cruz. Mas ele estava ocupado, e a escolha recaiu sobre Icsey. Khouri dizia de Fowle que ele tinha “uma luz encarvoada”, ao contrário da limpidez da luz de Icsey. A observação está muito longe de ser tola.

Quanto à música, desde o começo dos 1960, foi entregue a seu primo, Rogério Duprat. Khouri levava ao estúdio do músico um projetor portátil, de modo a que a música gravada correspondesse exatamente à imagem para a qual fora concebida.

Duprat era um tropicalista e não levava Khouri tão a sério assim: “O problema do meu primo é que é um artista”, dizia. Sim, eram primos. Khouri se levava a sério, até demais. Não abria mão de escrever seus roteiros, nem de cultivar o personagem Marcelo, seu alterego, mulherengo inveterado e, por isso mesmo, perpetuamente angustiado.

A busca do prazer esbarrando na frustração pode ter sido o seu assunto mais constante. A direção de atrizes, seu mérito mais constante. O cuidado com os detalhes, uma obsessão. A fidelidade a si próprio, mais do que a coerência da obra, no entanto, foi por vezes uma prisão. Recusando-se a trabalhar com corroteiristas que poderiam ter oxigenado sua obra, em certos momentos seu trabalho deu a impressão de certo maneirismo de si mesmo: era como se fizesse filmes “à maneira de Khouri”.

A retrospectiva da Cinemateca pode ser dividida em alguns grupos. As obras-primas indiscutíveis são “Estranho Encontro” e “Noite Vazia”. As raridades indispensáveis são “Gigante de Pedra” (do qual foram encontrados e recuperados 50 minutos) e “Na Garganta do Diabo”, de 1960, e “A Ilha”, de 1962, os três são filmes raramente exibidos e serão vistos em cópias digitais feitas pela própria Cinemateca.

Filmes de grande empenho pessoal: “Corpo Ardente”, de 1966, “As Filhas do Fogo”, de 1979, “As Deusas”, de 1972. Filmes em princípio reiterativos (de ideias, de personagens etc.): “As Feras”, de 1994, “O Desejo”, de 1976, “Eros”, de 1981, “Paixão Perdida”, “Paixão e Sombras”, de 1977, “Palácio dos Anjos”, de 1970.

A isso se poderia acrescentar duas categorias: os filmes detestados pela esquerda, em particular “As Amorosas”, de 1967, feito bem na época do movimento estudantil, mas em que a política sucumbia às angústias pessoais. No entanto, ali há uma das melhores interpretações de Anecy Rocha. Paulo José também está ótimo, e há ainda a atraente Jacqueline Myrna, que um dia foi lançada como uma espécie de Brigitte Bardot brasileira —mas não emplacou.

Uma última série poderia abarcar a dos filmes ausentes desta retrospectiva: “Eu”, de 1987, é talvez o último dos filmes de primeira linha de Khouri, em que o seu Marcelo está por uma vez às voltas com a angústia da morte, e “O Anjo da Noite”, de 1974, outra bela incursão no terror de sugestão, e talvez a única vez que o cineasta trabalhou com um ator negro em papel central —Eliezer Gomes está, por sinal, ótimo. Não emplacou na época e hoje pode até ser acusado de racismo, já que o negro do filme é o vilão.

A Cinemateca oferece, com essa mostra, a possibilidade perfeita de rever e reavaliar a obra de Walter Hugo Khouri, antítese talentosa e não raro interessante do cinema novo.

INÁCIO ARAUJO / Folhapress

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