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SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Passava das oito da noite quando os atores do Teatro Oficina se esparramavam nas bordas da passarela, que liga o edifício às ruas do Bexiga, na região central de São Paulo. Às margens, cada um aquecia o corpo antes de mais uma jornada de trabalho. Depois, eles se dirigem, um a um, ao centro do local para formar uma roda, como manda o ritual da companhia mais longeva do país. Só então iniciam o ensaio de “O Jogo do Poder”, uma colagem de 36 obras de William Shakespeare que estreia nesta quinta-feira.

É a primeira peça do Oficina sem a presença de José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso, morto em 6 de julho, depois que seu apartamento, no Paraíso, também na capital paulista, foi consumido por um incêndio, causado por uma falha no aquecedor. Desde então, Marcelo Drummond, marido do dramaturgo, tornou-se presidente da companhia. Dirigindo a peça, ele se une de novo aos atores Victor Rosa e Ricardo Bittencourt, com quem também morava.

Depois de enfrentarem as chamas, naquela madrugada de 4 de julho, os três passaram dois dias no Hospital das Clínicas, tratando a Covid-19 e as sequelas do incêndio, enquanto Zé Celso tentava sobreviver. Morando provisoriamente em um apart-hotel, o trio divide agora o mesmo trauma, embora cada um lide com o ocorrido de um modo particular.

Drummond faz sessões de psicanálise e passa a maior parte do tempo no imóvel destruído, organizando o acervo do ex-marido. “Alguém tem de fazer isso e esse alguém sou eu”, diz, com o semblante desolado, negando que a ocupação seja deprimente. “A gente se acostuma com tudo, o luto vai ficar aí”. Ao contrário do que se pensava, parte do arquivo de Zé Celso, composto por rascunhos de peças, desenhos e notas esparsas, será salva.

Por isso, ele quer criar um instituto dedicado a preservar o acervo de Zé Celso e voltar a morar no apartamento incendiado. Para tanto, criou, mês passado, uma vaquinha online para custear a reforma. Até o momento, a vaquinha arrecadou R$ 75 mil, sendo a meta R$ 250 mil.

O valor é suficiente para reformar o outro apartamento, conjugado aos cômodos que eram ocupados por Zé Celso e onde Drummond voltará a morar. O segundo imóvel será devolvido ao proprietário.

Bittencourt tem dormido pouco e trocado o dia pela noite. O ator diz que se deita às oito da manhã e acorda quase ao meio-dia. Como foi ao psicanalista durante décadas, aposta em seus recursos subjetivos para lidar com o trauma. Nos últimos tempos, preferiu se recolher, se afastando de tudo e de todos. A peça, ele conta, marca o seu renascimento —e o da companhia.

“Zé Celso morreu de precariedade, Zé Celso morreu de Brasil”, afirma. “Mesmo com sua importância para o país, ele buscava meios de sobreviver a cada mês, porque a vida inteira pagou o preço pelas suas escolhas. E isso não é uma vitimização, ele era um guerreiro”. Já Rosa conta que seu antídoto contra a dor é fazer teatro.

Não à toa, “O Jogo do Poder” se inicia com o artista de 23 anos, que tentou salvar Zé Celso no incêndio, manipulando uma marionete do dramaturgo. O ator mais jovem do grupo e o boneco do fundador da companhia descem juntos, passo a passo, a passarela, antes de voltarem ao fundamento da arte teatral, a obra de Shakespeare.

Enquanto isso, um rolo de papel branco é desfolhado, cobrindo a passarela. Nessa superfície, uma artista escreve expressões que compõem o universo shakespeariano, tais como “livre arbítrio” e “ressentimento”. Numa das primeiras cenas, o Oficina ostenta sua verve debochada, tratando um dos vilões como o Rei da TV, uma alfinetada no empresário Silvio Santos, com quem Zé Celso brigou na Justiça por 40 anos.

Depois de comprar o terreno ao lado do teatro, Silvio Santos quis construir ali um edifício para o seu grupo empresarial. Zé Celso, porém, desejava criar no espaço o Parque do Rio Bixiga. A depender do Oficina a briga vai continuar. “Não acho que seja a perseguição de uma utopia”, afirma Bittencourt. “A companhia está preparada para enfrentar o que tiver de enfrentar. Tudo o que fazemos aqui é motivado por esse parque.”

Escrita em 1974 por Carlos Queiroz Telles, autor de “A Ponte” —peça que duas décadas antes inaugurou o Oficina—, “O Jogo do Poder” é um emaranhado de cenas concebidas por William Shakespeare. Dividida em três partes —”A Ambição do Poder”, “A Tomada do Poder” e “A Queda do Poder”— o texto não tem enredo e tampouco aprofunda a caracterização dos personagens.

Trata-se de uma reflexão sobre o poder e suas diferentes manifestações, talvez o tema a que o bardo tenha mais se dedicado a examinar. Na maior parte do tempo, não se distingue as obras encenadas. Na primeira parte, o ator Pascoal da Conceição se caracteriza como Rei Lear, mas logo se vê envolvido numa cena de “Macbeth”, de 1606.

E lá está Conceição, na pele do Rei Duncan, agonizando na passarela, depois de ser assassinado por Macbeth, que lhe usurpou o poder. Na terceira parte, o elenco dança como odaliscas e tematiza a tragédia de “Antônio e Cleópatra”, peça publicada um ano depois. Marco Antônio, que vivia no Egito com Cleópatra, volta a Roma e se casa com Otávia.

A rainha espalha a notícia de que teria cometido suicídio. Ao saber do ocorrido, Marco Antônio se mata, e Cleópatra pede um veneno mortal para os seus criados. No texto de Telles, o importante é a infinitude da temática do poder e suas reverberações em temas universais, como o amor e a inveja.

Nos anos 1970, o diretor Gianni Ratto capitaneou uma montagem do texto, com quatro atores, entre eles Sérgio Mamberti. A proposta do Oficina, porém, pouco tem a ver com a primeira montagem. A iniciativa de estrear “O Jogo do Poder” partiu do ator Fioravante Almeida, que encantara Zé Celso com a ideia.

O desafio agora foi deglutir a peça sob a perspectiva da antropofagia. Então, se torna evidente que a proposta da companhia é manter a linguagem inventada por Zé Celso. Aproveitando o texto fragmentado, 14 atores e uma banda de seis músicos entoam canções, compostas para a montagem, avivando, num pot-pourri, a reflexão com a alegria oswaldiana.

Além de vilanizar o Rei da TV, o banquete antropofágico troca Roma pelo Bexiga, e a coroa do Rei Lear mais parece a do Rei da Vela. Bittencourt sente algumas diferenças na direção. “Marcelo é mais econômico, minimalista, enquanto Zé era barroco”, diz. Em termos de financiamento, a luta é a mesma, o Oficina depende de patrocínios e de programas de fomento.

Em cena, a música garante o transe, típico das apresentações de Zé Celso. Sua transa antropofágica ainda põe na passarela um trono, elemento cênico que reforça o jogo da peça. É tentador imaginar qual dos atores ali sentará, se coroando o rei do Bexiga.

O transe de Zé Celso ainda transa, na roda-viva que precede a jornada de trabalho e em sua marionete, que assiste ao ensaio de quatro horas. Até meia-noite, os atores cumprimentavam todos os visitantes que passavam pela sede da companhia. Nesse gesto, mostravam que o Oficina lhes condiciona um modo de ser e estar no mundo, definido pela crença na coletividade, tal como propunha Zé Celso.

Entre a ética e a estética, o pianista anuncia o último solilóquio da noite, tocando o “Noturno nº3”, de Frédéric Chopin. É tarde, as luzes batem nos andaimes e embaçam a visão. O solilóquio se confunde com a melodia. É hora de voltar para casa.

O JOGO DO PODER

– Quando 16/11/2023

– Onde Teatro Oficina – r. Jaceguai, 520

– Preço R$ 40

– Classificação 12 anos

– Autoria Carlos Queiroz Telles

– Elenco Com Pascoal da Conceição, Ricardo Bittencourt e Fioravante Almeida

– Direção Marcelo Drummond

GUSTAVO ZEITEL / Folhapress

Primeira peça do Oficina sem Zé Celso traz Shakespeare e alfineta Silvio Santos

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Passava das oito da noite quando os atores do Teatro Oficina se esparramavam nas bordas da passarela, que liga o edifício às ruas do Bexiga, na região central de São Paulo. Às margens, cada um aquecia o corpo antes de mais uma jornada de trabalho. Depois, eles se dirigem, um a um, ao centro do local para formar uma roda, como manda o ritual da companhia mais longeva do país. Só então iniciam o ensaio de “O Jogo do Poder”, uma colagem de 36 obras de William Shakespeare que estreia nesta quinta-feira.

É a primeira peça do Oficina sem a presença de José Celso Martinez Corrêa, o Zé Celso, morto em 6 de julho, depois que seu apartamento, no Paraíso, também na capital paulista, foi consumido por um incêndio, causado por uma falha no aquecedor. Desde então, Marcelo Drummond, marido do dramaturgo, tornou-se presidente da companhia. Dirigindo a peça, ele se une de novo aos atores Victor Rosa e Ricardo Bittencourt, com quem também morava.

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Depois de enfrentarem as chamas, naquela madrugada de 4 de julho, os três passaram dois dias no Hospital das Clínicas, tratando a Covid-19 e as sequelas do incêndio, enquanto Zé Celso tentava sobreviver. Morando provisoriamente em um apart-hotel, o trio divide agora o mesmo trauma, embora cada um lide com o ocorrido de um modo particular.

Drummond faz sessões de psicanálise e passa a maior parte do tempo no imóvel destruído, organizando o acervo do ex-marido. “Alguém tem de fazer isso e esse alguém sou eu”, diz, com o semblante desolado, negando que a ocupação seja deprimente. “A gente se acostuma com tudo, o luto vai ficar aí”. Ao contrário do que se pensava, parte do arquivo de Zé Celso, composto por rascunhos de peças, desenhos e notas esparsas, será salva.

Por isso, ele quer criar um instituto dedicado a preservar o acervo de Zé Celso e voltar a morar no apartamento incendiado. Para tanto, criou, mês passado, uma vaquinha online para custear a reforma. Até o momento, a vaquinha arrecadou R$ 75 mil, sendo a meta R$ 250 mil.

O valor é suficiente para reformar o outro apartamento, conjugado aos cômodos que eram ocupados por Zé Celso e onde Drummond voltará a morar. O segundo imóvel será devolvido ao proprietário.

Bittencourt tem dormido pouco e trocado o dia pela noite. O ator diz que se deita às oito da manhã e acorda quase ao meio-dia. Como foi ao psicanalista durante décadas, aposta em seus recursos subjetivos para lidar com o trauma. Nos últimos tempos, preferiu se recolher, se afastando de tudo e de todos. A peça, ele conta, marca o seu renascimento —e o da companhia.

“Zé Celso morreu de precariedade, Zé Celso morreu de Brasil”, afirma. “Mesmo com sua importância para o país, ele buscava meios de sobreviver a cada mês, porque a vida inteira pagou o preço pelas suas escolhas. E isso não é uma vitimização, ele era um guerreiro”. Já Rosa conta que seu antídoto contra a dor é fazer teatro.

Não à toa, “O Jogo do Poder” se inicia com o artista de 23 anos, que tentou salvar Zé Celso no incêndio, manipulando uma marionete do dramaturgo. O ator mais jovem do grupo e o boneco do fundador da companhia descem juntos, passo a passo, a passarela, antes de voltarem ao fundamento da arte teatral, a obra de Shakespeare.

Enquanto isso, um rolo de papel branco é desfolhado, cobrindo a passarela. Nessa superfície, uma artista escreve expressões que compõem o universo shakespeariano, tais como “livre arbítrio” e “ressentimento”. Numa das primeiras cenas, o Oficina ostenta sua verve debochada, tratando um dos vilões como o Rei da TV, uma alfinetada no empresário Silvio Santos, com quem Zé Celso brigou na Justiça por 40 anos.

Depois de comprar o terreno ao lado do teatro, Silvio Santos quis construir ali um edifício para o seu grupo empresarial. Zé Celso, porém, desejava criar no espaço o Parque do Rio Bixiga. A depender do Oficina a briga vai continuar. “Não acho que seja a perseguição de uma utopia”, afirma Bittencourt. “A companhia está preparada para enfrentar o que tiver de enfrentar. Tudo o que fazemos aqui é motivado por esse parque.”

Escrita em 1974 por Carlos Queiroz Telles, autor de “A Ponte” —peça que duas décadas antes inaugurou o Oficina—, “O Jogo do Poder” é um emaranhado de cenas concebidas por William Shakespeare. Dividida em três partes —”A Ambição do Poder”, “A Tomada do Poder” e “A Queda do Poder”— o texto não tem enredo e tampouco aprofunda a caracterização dos personagens.

Trata-se de uma reflexão sobre o poder e suas diferentes manifestações, talvez o tema a que o bardo tenha mais se dedicado a examinar. Na maior parte do tempo, não se distingue as obras encenadas. Na primeira parte, o ator Pascoal da Conceição se caracteriza como Rei Lear, mas logo se vê envolvido numa cena de “Macbeth”, de 1606.

E lá está Conceição, na pele do Rei Duncan, agonizando na passarela, depois de ser assassinado por Macbeth, que lhe usurpou o poder. Na terceira parte, o elenco dança como odaliscas e tematiza a tragédia de “Antônio e Cleópatra”, peça publicada um ano depois. Marco Antônio, que vivia no Egito com Cleópatra, volta a Roma e se casa com Otávia.

A rainha espalha a notícia de que teria cometido suicídio. Ao saber do ocorrido, Marco Antônio se mata, e Cleópatra pede um veneno mortal para os seus criados. No texto de Telles, o importante é a infinitude da temática do poder e suas reverberações em temas universais, como o amor e a inveja.

Nos anos 1970, o diretor Gianni Ratto capitaneou uma montagem do texto, com quatro atores, entre eles Sérgio Mamberti. A proposta do Oficina, porém, pouco tem a ver com a primeira montagem. A iniciativa de estrear “O Jogo do Poder” partiu do ator Fioravante Almeida, que encantara Zé Celso com a ideia.

O desafio agora foi deglutir a peça sob a perspectiva da antropofagia. Então, se torna evidente que a proposta da companhia é manter a linguagem inventada por Zé Celso. Aproveitando o texto fragmentado, 14 atores e uma banda de seis músicos entoam canções, compostas para a montagem, avivando, num pot-pourri, a reflexão com a alegria oswaldiana.

Além de vilanizar o Rei da TV, o banquete antropofágico troca Roma pelo Bexiga, e a coroa do Rei Lear mais parece a do Rei da Vela. Bittencourt sente algumas diferenças na direção. “Marcelo é mais econômico, minimalista, enquanto Zé era barroco”, diz. Em termos de financiamento, a luta é a mesma, o Oficina depende de patrocínios e de programas de fomento.

Em cena, a música garante o transe, típico das apresentações de Zé Celso. Sua transa antropofágica ainda põe na passarela um trono, elemento cênico que reforça o jogo da peça. É tentador imaginar qual dos atores ali sentará, se coroando o rei do Bexiga.

O transe de Zé Celso ainda transa, na roda-viva que precede a jornada de trabalho e em sua marionete, que assiste ao ensaio de quatro horas. Até meia-noite, os atores cumprimentavam todos os visitantes que passavam pela sede da companhia. Nesse gesto, mostravam que o Oficina lhes condiciona um modo de ser e estar no mundo, definido pela crença na coletividade, tal como propunha Zé Celso.

Entre a ética e a estética, o pianista anuncia o último solilóquio da noite, tocando o “Noturno nº3”, de Frédéric Chopin. É tarde, as luzes batem nos andaimes e embaçam a visão. O solilóquio se confunde com a melodia. É hora de voltar para casa.

O JOGO DO PODER

– Quando 16/11/2023

– Onde Teatro Oficina – r. Jaceguai, 520

– Preço R$ 40

– Classificação 12 anos

– Autoria Carlos Queiroz Telles

– Elenco Com Pascoal da Conceição, Ricardo Bittencourt e Fioravante Almeida

– Direção Marcelo Drummond

GUSTAVO ZEITEL / Folhapress

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