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SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) – O clima era nebuloso e as notícias desencontradas naquele início de abril de 1964. Osmar Ferreira tinha 21 anos, trabalhava em uma agência do Banco da Bahia, em Feira de Santana (109 km de Salvador) e era ligado à juventude do PCB (Partido Comunista Brasileiro) quando eclodiu o golpe militar.

Com uma metralhadora nas mãos, um sargento do Exército entrou na agência bancária em 8 de abril, algemou Osmar e o levou para a prisão, onde ele foi agredido e torturado. Solto 12 dias depois, foi demitido do banco.

“A demissão foi uma surpresa porque eu trabalhava muito e gostava do que fazia. Cortaram pela cabeça uma carreira de sucesso. Eu ia ser muito bem-sucedido no banco”, afirma Osmar, hoje com 80 anos.

Em 26 de abril de 2023, Osmar vestiu um terno cinza, uma gravata vermelha, penteou os cabelos agora brancos e foi a uma agência bancária para se reapresentar para o trabalho depois de 59 anos. Tinha em mãos uma decisão da Justiça que obrigou o banco a recontratá-lo.

A decisão pôs fim a uma batalha judicial que durava 12 anos entre Osmar e o Bradesco, banco que nos anos 1970 comprou o setor de varejo do antigo Banco da Bahia e herdou os seus passivos.

A Justiça não atendeu o pleito de indenização, cujo valor foi estimado em R$ 5,4 milhões, mas determinou a recontratação de Osmar sob pena de pagamento de multa de R$ 1.000 por dia. Procurado pela reportagem, o Bradesco informou que não iria se manifestar sobre o caso.

Osmar ainda era estudante quando começou a trabalhar no banco, aos 17 anos. Aos poucos, ascendeu a hierarquia interna da agência até chegar ao posto de chefe do setor de cobranças. Também foi gerente interino em treinamento para assumir a função em uma nova unidade.

Ao mesmo tempo, mantinha uma militância política fora do trabalho: foi líder estudantil, associou-se ao então clandestino PCB e ajudou a fundar a primeira entidade de classe de bancários de Feira de Santana. A associação virou sindicato em 1963 e Osmar passou a fazer parte da diretoria.

Com o golpe em abril de 1964, o sindicato se tornou um dos centros da resistência ao golpe em Feira de Santana, unindo trabalhadores e estudantes em defesa do então presidente João Goulart. Panfletos eram impressos em mimeógrafos e militantes bradavam nos alto-falantes voltados para a rua.

Na época, o prefeito da cidade era Chico Pinto, advogado eleito pelo PSD em 1962 que fazia uma gestão de perfil popular e pioneira em políticas como a farmácia popular e o orçamento participativo.

Nos anos 1970, já deputado federal, ficaria conhecido por integrar os “autênticos do MDB”, grupo de oposição ao regime militar, e por um histórico discurso contrário à visita ao Brasil do ditador chileno Augusto Pinochet, que lhe renderia seis meses de prisão.

O perfil mais à esquerda do então prefeito criou entre os militares a expectativa de uma possível resistência armada na cidade. Por isso, quando um sargento algemou Osmar na agência do Banco da Bahia, a primeira pergunta feita foi: “Onde estão as armas de Chico Pinto?”

Não havia armamentos. O prefeito foi deposto e preso pela ditadura em maio de 1964 –na ocasião, um de seus secretários era o advogado Roque Aras, pai do hoje Procurador-Geral da República, Augusto Aras.

As armas, na verdade, só chegaram para grupos de direita, conforme admitiu décadas depois em entrevista o professor Joselito Amorim, vereador escolhido pela Câmara na época para concluir o mandato de Chico Pinto após a deposição do prefeito.

Preso em um quartel da Polícia Militar, Osmar foi espancado diversas vezes e alvo de tortura psicológica por parte dos militares. Conseguiu sair da prisão 12 dias depois, por interferência de amigos do pai. Mas ficaram os traumas.

“A dor e o sofrimento permanecem até hoje. As bofetadas, os telefones [fortes tapas nos ouvidos que provocavam surdez temporária], a tortura de um modo geral, inclusive a psicológica, não vão se apagar nunca. Isso vai morrer comigo”, diz Osmar ao rememorar o período da prisão.

Após solto, voltou à agência do Banco da Bahia e recebeu a notícia da sua demissão. Sem perspectiva e com medo de ser novamente preso, passou a trabalhar como caminhoneiro com o pai e colocou o pé na estrada.

Osmar ficou na clandestinidade por quatro anos. Depois, tentou fazer o vestibular da Universidade Federal da Bahia e da Universidade Católica do Salvador, mas sua inscrição era sempre indeferida. Anos depois, descobriu que era fichado pelo então SNI (Serviço Nacional de Informações).

Conseguiu entrar na universidade em 1974 e cursou a faculdade de direito com o auxílio de um crédito estudantil. Foi advogado por cerca de 40 anos e trocou o interior da Bahia pela capital.

Em 2010, foi reconhecido pela Comissão de Anistia como perseguido político da ditadura militar e recebeu uma indenização de R$ 726 mil, paga na época em parcelas mensais.

No ano seguinte, decidiu ingressar com uma ação na Justiça do Trabalho contra o Bradesco por sua demissão sumária em 1964, e voltou a se filiar ao Sindicato dos Bancários de Feira de Santana.

Entre idas e vindas, a batalha judicial só teve um desfecho na última semana. Nesta quarta-feira (3), Osmar foi a uma clínica em Salvador fazer o exame admissional, mas enfrentou questões burocráticas e ainda não sabe quando começa a trabalhar.

Diz não ter ideia sobre qual função poderá exercer no banco –octogenário, lembra que não é muito afeito às novas tecnologias. Uma possível solução seria ocupar um cargo no próprio sindicato, do qual é um entusiasta.

Quase seis décadas depois da sua prisão e demissão, diz olhar para sua trajetória com orgulho. E comemora o desfecho com justiça e vitória.

“Para o filho de um caminhoneiro pobre e negro, em um país tão desigual como o nosso, acho que sou um vitorioso. Tenho certeza de que fiz o que era certo, não me arrependo de nada. Faria tudo outra vez”, diz Osmar, antes levantar da cadeira.

De pé, altivo, sorri para um último clique da câmera. E não vai embora sem antes entoar um quase mantra: “Lutar sempre, desistir jamais”.

JOÃO PEDRO PITOMBO / Folhapress

Demitido após golpe de 1964 é readmitido em banco depois de 59 anos

SALVADOR, BA (FOLHAPRESS) – O clima era nebuloso e as notícias desencontradas naquele início de abril de 1964. Osmar Ferreira tinha 21 anos, trabalhava em uma agência do Banco da Bahia, em Feira de Santana (109 km de Salvador) e era ligado à juventude do PCB (Partido Comunista Brasileiro) quando eclodiu o golpe militar.

Com uma metralhadora nas mãos, um sargento do Exército entrou na agência bancária em 8 de abril, algemou Osmar e o levou para a prisão, onde ele foi agredido e torturado. Solto 12 dias depois, foi demitido do banco.

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“A demissão foi uma surpresa porque eu trabalhava muito e gostava do que fazia. Cortaram pela cabeça uma carreira de sucesso. Eu ia ser muito bem-sucedido no banco”, afirma Osmar, hoje com 80 anos.

Em 26 de abril de 2023, Osmar vestiu um terno cinza, uma gravata vermelha, penteou os cabelos agora brancos e foi a uma agência bancária para se reapresentar para o trabalho depois de 59 anos. Tinha em mãos uma decisão da Justiça que obrigou o banco a recontratá-lo.

A decisão pôs fim a uma batalha judicial que durava 12 anos entre Osmar e o Bradesco, banco que nos anos 1970 comprou o setor de varejo do antigo Banco da Bahia e herdou os seus passivos.

A Justiça não atendeu o pleito de indenização, cujo valor foi estimado em R$ 5,4 milhões, mas determinou a recontratação de Osmar sob pena de pagamento de multa de R$ 1.000 por dia. Procurado pela reportagem, o Bradesco informou que não iria se manifestar sobre o caso.

Osmar ainda era estudante quando começou a trabalhar no banco, aos 17 anos. Aos poucos, ascendeu a hierarquia interna da agência até chegar ao posto de chefe do setor de cobranças. Também foi gerente interino em treinamento para assumir a função em uma nova unidade.

Ao mesmo tempo, mantinha uma militância política fora do trabalho: foi líder estudantil, associou-se ao então clandestino PCB e ajudou a fundar a primeira entidade de classe de bancários de Feira de Santana. A associação virou sindicato em 1963 e Osmar passou a fazer parte da diretoria.

Com o golpe em abril de 1964, o sindicato se tornou um dos centros da resistência ao golpe em Feira de Santana, unindo trabalhadores e estudantes em defesa do então presidente João Goulart. Panfletos eram impressos em mimeógrafos e militantes bradavam nos alto-falantes voltados para a rua.

Na época, o prefeito da cidade era Chico Pinto, advogado eleito pelo PSD em 1962 que fazia uma gestão de perfil popular e pioneira em políticas como a farmácia popular e o orçamento participativo.

Nos anos 1970, já deputado federal, ficaria conhecido por integrar os “autênticos do MDB”, grupo de oposição ao regime militar, e por um histórico discurso contrário à visita ao Brasil do ditador chileno Augusto Pinochet, que lhe renderia seis meses de prisão.

O perfil mais à esquerda do então prefeito criou entre os militares a expectativa de uma possível resistência armada na cidade. Por isso, quando um sargento algemou Osmar na agência do Banco da Bahia, a primeira pergunta feita foi: “Onde estão as armas de Chico Pinto?”

Não havia armamentos. O prefeito foi deposto e preso pela ditadura em maio de 1964 –na ocasião, um de seus secretários era o advogado Roque Aras, pai do hoje Procurador-Geral da República, Augusto Aras.

As armas, na verdade, só chegaram para grupos de direita, conforme admitiu décadas depois em entrevista o professor Joselito Amorim, vereador escolhido pela Câmara na época para concluir o mandato de Chico Pinto após a deposição do prefeito.

Preso em um quartel da Polícia Militar, Osmar foi espancado diversas vezes e alvo de tortura psicológica por parte dos militares. Conseguiu sair da prisão 12 dias depois, por interferência de amigos do pai. Mas ficaram os traumas.

“A dor e o sofrimento permanecem até hoje. As bofetadas, os telefones [fortes tapas nos ouvidos que provocavam surdez temporária], a tortura de um modo geral, inclusive a psicológica, não vão se apagar nunca. Isso vai morrer comigo”, diz Osmar ao rememorar o período da prisão.

Após solto, voltou à agência do Banco da Bahia e recebeu a notícia da sua demissão. Sem perspectiva e com medo de ser novamente preso, passou a trabalhar como caminhoneiro com o pai e colocou o pé na estrada.

Osmar ficou na clandestinidade por quatro anos. Depois, tentou fazer o vestibular da Universidade Federal da Bahia e da Universidade Católica do Salvador, mas sua inscrição era sempre indeferida. Anos depois, descobriu que era fichado pelo então SNI (Serviço Nacional de Informações).

Conseguiu entrar na universidade em 1974 e cursou a faculdade de direito com o auxílio de um crédito estudantil. Foi advogado por cerca de 40 anos e trocou o interior da Bahia pela capital.

Em 2010, foi reconhecido pela Comissão de Anistia como perseguido político da ditadura militar e recebeu uma indenização de R$ 726 mil, paga na época em parcelas mensais.

No ano seguinte, decidiu ingressar com uma ação na Justiça do Trabalho contra o Bradesco por sua demissão sumária em 1964, e voltou a se filiar ao Sindicato dos Bancários de Feira de Santana.

Entre idas e vindas, a batalha judicial só teve um desfecho na última semana. Nesta quarta-feira (3), Osmar foi a uma clínica em Salvador fazer o exame admissional, mas enfrentou questões burocráticas e ainda não sabe quando começa a trabalhar.

Diz não ter ideia sobre qual função poderá exercer no banco –octogenário, lembra que não é muito afeito às novas tecnologias. Uma possível solução seria ocupar um cargo no próprio sindicato, do qual é um entusiasta.

Quase seis décadas depois da sua prisão e demissão, diz olhar para sua trajetória com orgulho. E comemora o desfecho com justiça e vitória.

“Para o filho de um caminhoneiro pobre e negro, em um país tão desigual como o nosso, acho que sou um vitorioso. Tenho certeza de que fiz o que era certo, não me arrependo de nada. Faria tudo outra vez”, diz Osmar, antes levantar da cadeira.

De pé, altivo, sorri para um último clique da câmera. E não vai embora sem antes entoar um quase mantra: “Lutar sempre, desistir jamais”.

JOÃO PEDRO PITOMBO / Folhapress

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